11
EXT. BORRACHARIA - TARDE
Um HOMEM, 40 anos, macacão cinza e sujo de graxa,
bate o capô de um carro.
Ele rebate as mãos. ENTRA uma MULHER, alta, 48 anos,
cabelos loiros, apressada.
MULHER
Mauro! Eu não acredito que você ainda tá aí... Não,
eu não acredito sequer que você veio trabalhar justo hoje! Se nós
perdermos essas passagens/
MAURO
Ei, ei, ei! Calma! Eu prometi esse carro pro seu
Olegário. Cliente antigo não se pode deixar na mão, você sabe, Regina.
E, sim, vim trabalhar justo hoje. É o dia da viagem... Eu não quero
brigar com você. Esse dia tá representando tanta coisa pra gente...
REGINA
É. Mas eu acho que eu só vou anular toda essa
preocupação, esse estresse, quando eu colocar os pés naquele barco.
Olham-se por uns instantes.
REGINA (cont.)
Vê... Vê se não demora aí. Eu vou terminar as malas.
MAURO
OK.
Regina SAI apressada dali; Mauro pega um jornal e
limpa as
mãos, sujas de graxa. Deixa o jornal cair.
PLANO DETALHE NA MANCHETE - uma foto de Búlgaro, na proa
do navio, estampa. CÂMERA ALTERNA no título: "MAIOR NAVIO DO MUNDO,
CONSTRUÍDO POR BRASILEIRO, FAZ PRIMEIRA TEMPORADA
NO BRASIL".
12
INT. EMPIRE - CABINE LÍVIA -
DIA
As mãos de Lívia terminam de dar o último laço nos
cadarços do sapato, branco. CÂMERA abre e a revela de pé, no meio de sua
cabine, séria. Respira fundo. Vai a um espelho e respira mais uma vez; dá um TAPINHA na face.
LÍVIA
Mais uma temporada... Na sua terra, Lívia. Força!
CLOSE dela.
13
INT. EMPIRE- COZINHA - DIA
PLANO GERAL da ampla cozinha reluzente, arejada, clara e
movimentada. Diversos COZINHEIROS circulam por ali.
Panelas no jogo, liquidificadores e centrifugas ligados. GARÇONS,
também, presentes. O ritmo infernal do ambiente.
CORTA para Kênia. Ela prova algo de um prato, ao lado de
um COZINHEIRO, e sorri.
COZINHEIRO
E entón? Ao paladar brasileño?!
Ela balança a cabeça, concorda.
CORTA PARA as portas da cozinha, sendo abertas.
Orlando entra, varrendo tudo com o olhar maligno.
Kênia avista e, na mesma hora toma postura. O movimento
na cozinha ameniza. Orlando ASSOVIA. Todos aproximam-se. Ele pega uma
PANELA, num fogão próximo, e segura-a com força; amedronta. Abre caminho
entre os funcionários, empurrando
um garçom.
ORLANDO
(alto)
Atenção, todos! O navio tá em terras brasileiras. Sol,
calor, gente bonita e sorridente. O primeiro descuido que houver nessa
cozinha ou no prato de um passageiro, eu frito os irresponsáveis em óleo
quente! Eu fui claro o bastante?
Todos os funcionários concordam. Orlando abre espaço;
vai até Kênia. Ele lança um olhar pro cozinheiro, que sai de perto.
Pega-a pelo braço.
ORLANDO (cont.)
O que você ainda tá fazendo daqui, Kênia? Em? Provando da
comida da tua terra?
(ri)
Do jeito que você é trouxa, deve estar fantasiando
histórias nessa sua cabeça.
(tom baixo)
Agora, anda, sai! Você já tem muito trabalho pra fazer.
KÊNIA
(respira fundo) Sim, senhor.
Kênia sai. Orlando fica a olhar pra bunda dela,
enquanto sai. Volta-se aos funcionários.
ORLANDO
Voltemos ao recinto. Sobre os pratos, quero que fique bem
claro que devem estar sempre limpos e reluzentes. E, caso contrário,
reclamações chegaram, vão ser vocês, os primeiros a serem culpados.
14
EXT. PÍER MAUÁ - DIA
No CÉU, os pássaros cantam; as ÁGUAS movimentam-se e a
fila para entrar no EMPIRE só aumenta.
Lívia recebe os passageiros com sorriso, cumprimentando a
cada um, solenemente, às portas do EMPIRE. De repente, fascina-se e encara
uma CABINE POLICIAL, ao longe, meio ao píer. CLOSE nela. Parece pensativa;
seu olhar viaja; esquece os
passageiros por alguns instantes, mas leva um susto quando Caio SURGE e põe
as mãos em seu ombro. Ela vira-se, imediata.
LÍVIA
Você me assustou.
CAIO
Estava encarando o que não devia? Só assim, pra se
assustar num lugar tão... Tão familiar.
LÍVIA
Você é um completo imbecil, mesmo, né? Que, que cê quer,
em? Vai, fala...
CAIO
Eu, sinceramente, não entendo sua raiva de mim.
LÍVIA
Talvez seja porque, enquanto eu e muitas outras pessoas
estamos sujeitas a tudo - e eu sei que você sabe do que estou falando - você
é o braço direito daquele monstro.
Caio encara-a.
CAIO
É uma questão de tática, Lívia.
Eu achei um jeito de sair do
esquema. E qual o problema
nisso?
LÍVIA
Você não achou só um jeito de sair do esquema, você achou
um jeito de se dar bem, como o Orlando. Você se tornou mais um, Caio, mais
um dos lado dele. Eu sinto muito se você acha que não, mas é o que
parece. Agora me dá licença, porque eu tenho que
trabalhar.
Ele vai saindo.
CAIO
(volta) Lívia...
Encaram-se.
CAIO (cont.)
Eu espero que essa temporada seja transformadora para
todos nós.
LÍVIA
As minhas esperanças nunca morrem, não se preocupa.
Agora, você pode ir.
Caio engole à seco e sai, reflexivo. Lívia volta ao
trabalho, enquanto, simultaneamente, olha para a
cabine policial.
15
INT. CASA DE REGINA - DIA
A mão de Regina fecha o zíper de uma mala preta. CLOSE
dela.
FLASHBACK PARA:
16
INT. CASA DE REGINA - QUARTO DO
CASAL - NOITE (MESES ANTES)
Mauro e Regina são vistos por SOMBRAS, na parede.
Discutem. Ambos exaltados.
CORTA para os dois, frente a frente. RAIOS e TROVÕES
lá fora.
REGINA
A verdade é que eu estou cansada, Mauro! Me desculpa, tá
legal? Me perdoa, se eu não consigo ser boazinha o bastante pra me conformar
com uma vida medíocre, mas eu não consigo ficar contando os centavos pra ver
se sobrevivo até o fim do mês!
MAURO
Você não vê, que joga tudo pra cima de mim, como se o
culpado por não satisfazer a droga da sua ambição fosse eu?! Não sou,
Regina! Se você queria ser rica...
REGINA
(corta; grita)
A questão nunca foi essa, Mauro! Mas, sim, de você ficar
dia e noite enfurnado naquela droga de borracharia, pra ganhar esse mixaria,
que não dá pra nada! Poxa, você tinha tantos planos... Fazer uns cursos,
conseguir algo bom pra você...
MAURO
(corta)
Eu amo o que eu faço, Regina! Se a questão é a minha
ausência, eu te pergunto: você me quer em casa pra quê? Pra não fazer nada?
Sim, porque, quando eu quis ter um filho, você sempre disse que não queria
criança!
Regina engole a seco e faz uma breve pausa, nitidamente
irritada. Começa a andar pelo quarto. Vira-se de
costas. Funga.
REGINA
Agora eu virei a vilã da história, né? Destruí teu sonho
de ter um filhinho, da vida de comercial de margarina, na qual eu fico em
casa, ralando pra lavar sua roupa suja de graxa e limpando fogão... Tudo,
enquanto você se mata pra trazer o mínimo pra casa e me tratar como
empregadinha submissa. Desculpa se é isso, então, mas eu nunca disse pra
você que queria essa vida.
Diferente de você, que sempre disse que faria algo pra
sair desse caos que a gente se meteu. Mas, no fundo, você tá é satisfeito
com essa vida medíocre de borracheiro!
FIM DO FLASHBACK.
DE VOLTA AO PRESENTE.
Regina encara duas passagens para o EMPIRE, sobre sua
mesa de cabeceira.
17
EXT. TÁXI -
DIA
Do para-brisa do carro, vemos um trânsito intenso. O
TAXISTA está inquieto. Mauro no carona. Atrás, Regina e uma
SENHORA,
60 e poucos anos e cabelos encachados.
REGINA
Não é possível. Até nesses momentos essa cidade
desgraçada me atrapalha. Olha esse trânsito caótico! Eu não disse pra pegar
a outra rota?
SENHORA
(segura as mãos de Regina) Para, Regina! Você tem que
ficar calma, minha filha! Aonde já se viu? Até indo pro navio...
MAURO
Essa daí não adianta, dona
Tonica. A senhora, como mãe, deveria
estar acostumada.
REGINA
(sorri)
Olha onde as coisas vão parar! Falam mal de mim na minha
frente...
TONICA
(sorri)
Tá pagando pelos seus pecados com essa ansiedade!
MAURO
(pisca pra ela)
Vai dar certo. Já me imagino em cenas do tipo Titanic.
Hum?!
REGINA
(ri)
Não me faça passar vergonha, Mauro! Por favor!
TAXISTA
Olha, gente... Eu não queria ser estraga prazer, mas esse
trânsito vai fazer vocês perderem a viagem. É certo!
REGINA
(assusta) O quê?
TAXISTA
Olha pra rua, dona. Não tem passagem. Tá tudo parado...
REGINA
E se formos pelo acostamento?
MAURO
Tá maluca, Regina?! Acostamento?
REGINA
E você tem uma solução melhor, Mauro?
Tensão geral.
TONICA
Serginho, eu que mando! Está autorizado a passar pelo
acostamento. Vamos, logo!
TAXISTA
Mas eu vou ser multado, dona Tonica...
MAURO
É melhor não, dona Tonica. A gente acha outro jeito.
TONICA
(objetiva)
Eu paguei essa viagem. Eu quero que vocês voltem
diferentes. Felizes.
Com o casamento... enfim.... reconstruído. Eu assumo a
responsabilidade. Passa pro acostamento, faz o que eu to mandando, menino!
Vai!
TAXISTA
Tudo bem, então.
O motorista dá a seta e mete o carro no acostamento.
Regina sorri para a mãe.
TONICA
(emocionada)
Vai dar tudo certo, minha filha...
18
INT. EMPIRE - CABINE DE COMANDO -
DIA
POV DE UM BINÓCULO - as pessoas embarcam no
EMPIRE. SAI DO POV.
Vemos Búlgaro, observando tudo. Movimento atrás dele.
Vários homens trabalham. Um HOMEM ALTO, de terno e gravata,
aproxima-se.
HOMEM
Senhor, temos um problema.
BÚLGARO
(vira-se ao homem) Problema? O que houve? Pelo que sei,
está tudo nos conformes.
HOMEM
Não, nada em relação ao EMPIRE, mas com um passageiro.
BÚLGARO
Quem?
HOMEM
O filho do governador. Tudo indica que ele estava a
caminho, mas acabou sofrendo um pequeno acidente. Nada demais. Mas vai se
atrasar. O governador/
BÚLGARO
(corta-o)
Vida filantrópica para rico é um belo de um chute no
saco.
HOMEM
Mas estamos aproveitando para a última checagem da
maquinaria.
BÚLGARO
Eu não quero mais de quinze minutos em excesso, caso
contrário, o governador que traga o filho dele de lancha, atrás do meu
navio. Só não garanto a entrada...
(pausa)
Em todos os casos, mande chamar
o Orlando. Quero definir as
últimas coisas com ele.
HOMEM
Sim, senhor.
O HOMEM sai. Búlgaro retorna com seu binóculo à vista.
19
EXT. RUAS DO RJ - DIA
CÂMERA AÉREA: o táxi em que Mauro e Regina estão corre
pelas vias.
20
EXT. PÍER MAUÁ - DIA
A movimentação continua. CARROS e TÁXIS param no
píer; PASSAGEIROS saem.
CORTA PARA o acesso ao EMPIRE. Lívia e outros TRIPULANTES
continuam a recepcionar os passageiros, que passam pelo tapete vermelho e
sobem a rampa, entrando no navio. Sorriso nos rostos.
21
INT. EMPIRE - CABINE DO COMANDANTE
- DIA
Búlgaro despeja uma bebida alcoólica em dois copos. Pega
um e entrega o outro a Orlando, em sua frente, encarando a belíssima
vista da cabine, direto pra mar.
BÚLGARO
(avalia a bebida)
Essa é a Bon Secours Vieille Ale, cerveja artesanal
produzida na Bélgica. Por US$ 1.200, você pode adquirir uma garrafa dessa...
a cerveja mais cara do mundo.
ORLANDO
Nada contraditório, meu comandante. No maior navio do
mundo, tomando a cerveja mais cara... É, realmente, uma ilha fantasiada de
trabalho.
BÚLGARO
Creio que sabe porque o chamei. Estamos no Brasil. Onde
nascemos, onde colocamos todos os projetos em pauta e tivemos os maiores
trunfos.
ORLANDO
O maior navio; com um sistema único de diversão e
aproveitamento: mulheres, a qualquer hora, a qualquer momento... Nenhuma
paga, nenhuma por livre e espontânea vontade, nenhuma a pedir respeito ou
dar incentivo. Eu, sinceramente, acho que fizemos o impossível nesse navio:
um diferencial! Se acham que é exploração, eu prefiro explicar como... "uma
mão lava a outra"...
BÚLGARO
(sorri)
É, realmente, impactante. Mas as coisas têm que andar nos
trilhos, você sabe...
ORLANDO
Se fala da segurança, tomei algumas precauções.
BÚLGARO
Então tome mais; tome todas as precauções possíveis,
Orlando.
Estamos no litoral brasileiro, com meninas brasileiros, que falam muito bem o idioma e
podem, a qualquer momento, por qualquer corredor ou passageiro, detonar tudo
o que levamos mais de cinco anos para construir...
ORLANDO
(ri)
Não tem condições... Elas não fariam isso. Sabem que
perdem mais... Que perdem quem mais amam, se abandonarem o esquema. E, além
disso, logo, logo, vamos
despistá-las. Atualizaremos nossos funcionários. Não acha
bom?
BÚLGARO
Eu prefiro pensar no imediato. E, agora, o que eu menos
quero é ver meu nome estampando capas policiais desses jornais fedorentos,
desse país de merda!
ORLANDO
Eu garanto que essa será, se não a melhor, uma das
melhores temporadas, das cinco, que o Empire já fez.
BÚLGARO
Ótimo. E, não só isso... Temos que convir que nossos
lucros estão estagnados... Pensei em propostas para aumentar, mas nenhuma
cabível. É importante pensarmos no relatório que vamos entregar à Corporação
no fim da temporada.
ORLANDO
Estarei pensando sobre. Agora, se me dá licença, eu tenho
que coordenar o fechamento do portão e a preparação para a saída.
(mostra o copo de cerveja) À propósito, obrigado pela
raridade!
Orlando engole a bebida em uma golada só e coloca o copo
em cima da mesa.
BÚLGARO
De nada. Pode ir. Acho que estamos bem resolvidos.
(pausa; ergue o copo) Aos negócios!
22
EXT. PÍER MAUÁ - DIA
O táxi estacionado. Poucos passageiros entram. Mauro,
Tonica e Regina apressados, tirando as malas junto do taxista.
Quando tudo está pronto, Mauro paga o taxista e Tonica
sorri para Regina, abraçando-a.
REGINA
Ai, mamãe, nem sei como agradecer pela passagem! Oh,
quando eu mudar de emprego, a gente vai num desses lá pra Europa, juntas,
viu?
(sorri)
Eu amo a senhora...
TONICA
(emoção)
Ah, minha filha... Eu também te amo. Você sabe, bem,
porque eu fiz isso, né? Só aproveita tudo. Eu soube que tem cada coisa
gostosa aí dentro... E quero ver a relação sua e do Mauro às mil maravilhas
quando voltarem do cruzeiro, em?!
Combinado?
REGINA
(sorri/maliciosa)
Deixa comigo, que a grana desse presente foi muito bem
investida, mamãe!
Elas riem, juntas. Abraçam-se de novo e dão-se um beijo.
MAURO
Vamos, Regina.
REGINA
Vamos.
Regina pega suas malas; Mauro as dele. O taxista já está
no carro. Tonica abana para ambos.
TONICA
(alto; sorri)
Manda foto pela internet!
Regina concorda e aproxima-se da ENTRADA do navio,
onde Lívia está de pé, sorridente.
LÍVIA
As passagens, por favor...
Mauro entrega as passagens. Lívia confere e sorri para
eles.
LÍVIA (cont.) (sorridente)
Sejam bem vindos ao Empire, o maior navio do mundo... Em
todos os sentidos! A equipe os deseja uma excelente viagem.
Lívia sorridente; Regina e Mauro também. Esses, avançam e
sobem à plataforma. O APITO DO NAVIO ecoa em alto e bom som. Regina dá um
último adeus para Tonica e a CÂMERA ABRE para revelar a pequinês dos personagens em meio ao
gigante EMPIRE.
FADE IN:
FIM DO ATO I ATO II
FADE TO BLACK.
23
INT. EMPIRE - BAR - FIM DE
TARDE
Os sapatos de Lívia estão rentes ao par de sapatos preto
e social de Orlando.
IMAGEM ABRE e revela-os. Ele aperta as mãos dela e a
carrega pro interior do bar. Um HOMEM está sentado numa mesa próxima,
fumando um charuto. Orlando aproxima-se.
ORLANDO
Senhor, essa é Lívia Silveira. Como prometido... Das
nossas, uma das melhores.
Lívia esboça um sorriso constrangido. Antes que responda,
o homem encara com escárnio.
HOMEM
(traga o charuto; tem sotaque português)
Unhas bem feitas, cabelos bem esticados. Branca. Como é o
tratamento?
ORLANDO
Modéstia à parte... Como qualquer outra funcionária...
Digno de um bom tarte de amêndoa Algarvia.
HOMEM
(ri) Gosto.
ORLANDO
(sorri)
Ela estará hoje na House. Se o senhor quiser aparecer...
HOMEM
(pega no cabelo dela; ri) Eu vou estar lá.
ORLANDO
Vou levá-la de volta. (sussurra)
Está se preparando para a estreia!
O HOMEM faz uma cara festiva e Orlando sai, de mãos
dadas com Lívia.
À porta do bar, Orlando vê que o homem dispersou-se
e aproxima sua boca do ouvido dela.
ORLANDO (cont.)
Some daqui.
Lívia engole a seco e sai em disparada. CLOSE nos olhos
de Orlando.
24
INT. EMPIRE - CORREDOR - DIA
Lívia anda, apressada.
NOUTRO PONTO, estão Regina e Mauro, caminhando de mãos
dadas. Lívia ENTRA e avista o casal, de costas. Para
pra observar.
LÍVIA (V.O.)
Mais uma viagem, mais um cruzeiro, mais casais ingênuos e
apaixonados. Mais crápulas sádicos e nojentos... E a mesma velha-nova
impressão de sempre, de que algo dessa vez será diferente.
(pausa)
LÍVIA (cont.)
Qual é Lívia, você sabe que não.
Lívia enxuga as lágrimas, ignora a cena e cruza, entrando
em OUTRO CORREDOR.
HOMEM (O.S.)
Lívia...
Lívia vira-se e vê Caio.
LÍVIA
(ríspida)
O que você quer de mim, Caio? Tá me perseguindo, agora?
CORTE RÁPIDO -- Regina e Mauro distanciam-se. VOLTA em
Lívia e Caio, encarando-se.
CAIO
Não. Mas eu odeio quando você me trata assim, Lívia.
(pausa)
Não vim à toa. É sobre hoje à noite. O Orlando...
(constrangido; cabisbaixo) Ele me pediu pra checar...
LÍVIA
(corta)
Se eu não to menstruada ou vou inventar outra desculpa
pra não trabalhar hoje? Se for isso, diga pra ele que não. Agora, dá
licença, que eu tenho mais o que fazer.
Ela prossegue pelo corredor.
25
INT. EMPIRE - CABINE DE REGINA E
MAURO - FIM DE TARDE
O lugar é arejado, com uma pequena sacada no canto. Sobre
a cama, Regina abre sua mala, virando diversas roupas e
esparramando-as. Mauro, ao seu lado, nitidamente nauseado, pendura suas
roupas no armário. Ela passa a mão sobre o lençol da cama.
REGINA
(risonha)
Olha, Mauro! Deus, que tecido é esse? É tudo... É tudo
tão diferente... A impressão que dá é
REGINA (cont.)
que até o vaso sanitário desse navio é chique!
Mauro ri, tentando descontrair. Ele vai à mesa de
cabeceira e pega um analgésico. Bebe um copo de água e atira-se à cama.
Regina puxa as roupas, debaixo das pernas do marido, e começa a guardá-las nas gavetas.
MAURO
Deita aqui, vem, Rê. Depois a gente arruma isso.
REGINA
Ah, não, deitar, não, Mauro!
Ela vai até ele e começa a tentar puxá-lo.
REGINA (cont.)
Vai, vamos dar uma volta, ver o sol se pôr no meio do
mar... Num piscar de olhos, essa viagem passa... E a gente vai ter
aproveitado o quê? A cama?! Já, já, tamo atracando no Rio de novo.
MAURO
Regina, eu to muito enjoado. Se eu levantar, vai ser pra
ir direto pro banheiro...
(ri)
Também, pra quem, no máximo, andou no pedalinho da lagoa,
já era de se esperar, né? Mas vai você. Não se prende por mim. Eu te
encontro mais tarde.
REGINA
Não... Já que você tá muito mal, eu fico.
Mauro faz que não.
MAURO
Não. Isso passa rápido. Vai, que depois te encontro.
REGINA
(ri)
Boa sorte pra me encontrar, então. Do jeito que esse
navio é imenso, vai levar o resto da noite.
Ela fecha as gavetas e pega seu cartão de identificação.
REGINA (cont.)
Qualquer coisa, liga pra
recepção, que te levam na enfermaria,
OK?
Ele concorda, virando-se pro lado.
26
EXT. EMPIRE - FIM DE TARDE
O EMPIRE buzina, meio ao vasto oceano e o pôr do Sol.
SÉRIE DE PLANOS - acompanhamos Regina, calma, andando
pelo navio:
A)
passando numa "rua", de LOJAS
diversas;
B)
vendo o
CASSINO;
C)
comendo um lanche, num
DECK.
D)
por fim, anda pela borda da PISCINA. As
crianças, quando chegam do tobo água, acabam respingando água nela,
fazendo-a rir.
27
EXT. EMPIRE - PROA - FIM DE
TARDE
Regina, dependurada, sozinha, na ponta da proa, vendo
golfinhos no mar, pulando da água, atrás do navio. Mexe
na aliança, tirando e colocando no dedo. Venta ali. Ao lado dela,
Orlando vem se aproximando, sorrateiro.
ORLANDO
Os golfinhos têm lá sua graça,
mas o que uma dama tão linda faz
aqui, os observando,
sozinha?
Regina para de encarar os golfinhos e fecha a cara.
PLANO DETALHE na aliança, no dedo dela, que ela exibe
a Orlando.
REGINA
(injuriada)
Eu sou casada, se o senhor não percebeu.
ORLANDO
(ri)
Mas não há nada de mal nisso. Nesse navio, tem
entretenimento o bastante para todos.
(sussurra)
(MAIS)
ORLANDO (cont.)
Inclusive pra senhora.
Ela dá um TAPA na cara de Orlando e sai, intempestiva,
dali.
ORLANDO (cont.)
(põe a mão no rosto)
Eu adoro as mais difíceis, heim?
28
INT. EMPIRE - BAR - FIM DE
TARDE
Regina senta-se no balcão de um requintado bar, com uma
decoração obscura, que contrasta com os vidros panorâmicos, que dão visão à
proa. Ao lado de Regina, está um HOMEM, 30
e poucos anos, traços asiáticos, cabisbaixo.
Um BARMAN aproxima-se de Regina.
BARMAN
O que deseja, senhora?
REGINA
(desinteressada) Qualquer coisa...
(sussurra)
Qualquer coisa que me faça esquecer o passado...
BARMAN
A senhora já provou Bloody Mary?
REGINA
Não... É bom?
BARMAN
Tomate e vodca. A senhora já saberá...
PLANO DETALHE no copo de Bloody Mary de um HOMEM, ao lado
de Regina, pela metade. Ele toma um gole.
CORTE DESCONTÍNUO para um copo cheio da bebida, posto à
frente de Regina pelo Barman. Ela pega e bebe. Instantes.
Em sua reação, enojada. Bate o copo no balcão.
REGINA
Nossa, que troço horrível!
O Barmen e o homem riem. Regina percebe o mico e ri
junto. Encara o homem. O Barmen SAI.
HOMEM
Nem todos gostam de Bloody Mary, senhora.
REGINA
Senhora tá no céu... Meu nome é Regina.
(ri; observa o copo dele) Você bem que podia ter me
avisado que combinar tomate e vodca não é bom, em? Aliás... Seu nome?
HOMEM
Luciano. Luciano Kiang.
Regina toma mais um gole da bebida e volta-se a ele.
REGINA
(ri)
Acho que a primeira impressão me assustou um pouco. Não é
tão ruim.
(observa Luciano)
Desculpe se me intrometo, mas você parecia bem...
Abatido, até agora.Tá tudo bem?
LUCIANO
(bebe)
Só minha vida, que é uma merda, mesmo. Pelo menos,
diferente dos outros, eu não fico fazendo selfie, na proa, com sorrisinho
falso no rosto, como se tudo pra mim fosse às mil maravilhas.
INSERT - aliança de Regina, meio solta no
dedo. VOLTA À CENA.
LUCIANO (cont.)
Mas, se me permite... A senhora andava meio absorta há
alguns instantes. Problemas?
REGINA
(reflexiva) Quem não tem, né?
FLASHBACK PARA:
29
INT. CASA DE REGINA - QUARTO DO
CASAL - NOITE (MESES ANTES)
ATENÇÃO: continuação do flashback da cena
16.
MAURO
(fora de si; berra) Cala a boca, Regina!
CLOSES ALTERNADOS. Uma lágrima desce dos olhos dela.
REGINA
Você nunca gritou comigo, Mauro...
MAURO
(corta)
Eu achei que você havia se casado comigo porque me amava.
Mas se fez isso esperando de mim uma vida que eu não posso te dar, então nós
cometemos um engano. Nós nos casamos com as pessoas erradas.
Regina tenta se aproximar de Mauro, mas, raivoso, ele se
DESVENCILHA e SAI intempestivo do quarto. Regina eleva
as mãos à cabeça e pega um COPO de vidro, sobre uma
estante. ARREMESSA contra a parede. O copo se estilhaça em
cacos.
FIM DO FLASHBACK.
DE VOLTA AO PRESENTE.
Regina permanece reflexiva. Quando ela olha pro lado,
para achar Luciano, vê uma MORENA, trajando roupas modernas,
ao lado dele, conversando.
CORTA PRA AMBOS. PLANO DETALHE na mão dela, apalpando
suas coxas e subindo.
MORENA
Tá quente aqui, não? Existem lugares nesse Empire que são
mais quentes ainda... Suponho que saiba.
Luciano concorda.
MORENA (cont.)
Quem me mandou, sabe que você gosta. Lá de onde eu venho,
a gente sabe muito bem como tratar os homens mais tímidos, que não gostam de
falar tanto. Me visita mais tarde, heim? O que acha?
LUCIANO
Onde?
A mulher ri e entrega um cartão a ele. Regina,
muito desconfiada, olha, sorrateira, o cartão, que tem um logotipo:
"HOUSE PINK - Seu lugar no EMPIRE".
CORTA PRA LUCIANO, acompanhando a Morena sair do bar.
Quando ele vira-se de lado, buscando por Regina, não a
encontra.
30
INT. EMPIRE - CABINE DE REGINA E
MAURO -ANOITECER.
Mauro e Regina conversando. Ele, deitado.
REGINA
Não, você tinha que ver, Mauro... Parece que ela brotou
da terra. Eu olhei pro lado; quando dei por mim, ela tava praticamente se
esfregando nele!
(pausa)
Sem ser preconceituosa, mas tinha todo o naipe de
prostituta... Essa história de Pink House então...
Mauro, ainda deitado na cama, dá um leve sorriso.
Encafifada, Regina anda pelo quarto, disfarçando
estar intrigada.
MAURO
(ri)
Eu sempre soube que tinha algo de podre no meio dos
ricaços... Deve ser uma conhecida, prestadora de serviços... Sei lá como
chamam...
(sorri)
Mas quer ver que lá vem você com essas teorias
justiceiras malucas?
REGINA
Nenhuma teoria, mas fiquei encafifada... Já imaginou se a
gente tá no meio de um bordel flutuante e o capitão é um sádico, que explora
as garotas?
MAURO
Não, você não existe mesmo, né? Dava pra atriz...
(respira fundo)
Mas, falando sério, você sabe bem o que eu acho dessas
suas manias, né?
Regina ri e pula na cama. Sensualmente, põe suas
pernas entre as pernas do marido e segura suas mãos.
REGINA
Não vamos falar disso agora, tá? (sussurra)
Há coisas muito mais interessantes pra fazer.
(sarcástica)
A menos, é claro, que alguém aqui ainda esteja
marejado...
MAURO
(ri) Não pra
isso!
Ele a puxa, forte, e eles se agarram, apaixonadamente.
CORTA PARA a vista da sacada.
ANOITECE.
31
INT. EMPIRE - SALÃO CENTRAL -
NOITE
Mauro surge, descendo pela escadaria do salão. Vários
passageiros passam diante dele. Para no último degrau. Um balcão de
informações e vários cartazes da companhia de cruzeiros por ali. Um tanto
apreensivo, ele olha para todos
os lados; procura por algo com o olhar. Nitidamente, não encontra. Ao descer
do último degrau, anda pelo salão, até dar de cara com Orlando. Mauro o
aborda, amigável.
MAURO
Amigo, você viu minha esposa? Eu tava com ela e, quando
dei por mim, ela.../
ORLANDO
(ríspido)
Eu tenho cara de quem vai
adivinhar em que buraco sua mulher se
enfiou? Dá licença, que eu tenho mais o
que fazer.
Orlando segue em disparada. Mauro revela-se aturdido.
32
EXT. EMPIRE - PROA -
NOITE
Regina encara o céu estrelado e o mar, pelo qual o
navio navega. Ao fundo dela, luz, dança e música. Mauro aproxima-se
por trás. Pigarreia. Ela pega nas mãos
dele.
Olham-se.
MAURO
Te procurei... Onde cê tava?
REGINA
Me deu um mau súbito. Tomei um analgésico e vim pra cá,
pra proa, um pouco. Desculpe.
(ri)
Pelo visto, você não é o único marejado por aqui.
MAURO
Já vão servir o jantar. É de gala. (sorri)
Mandaram convite pro quarto, dizendo para estar lá bem
vestido. Vai ser com o capitão. Vamos?
REGINA
(segura-o) Antes/
REGINA (cont.)
Antes eu queria te dizer uma coisa, Mauro.
MAURO
Diz
REGINA
Eu
(pensativa)
Eu vou fazer de tudo para dar certo. Pra gente melhorar.
Eu vou fazer de tudo pra essa viagem ser um recomeço. De tudo.
Encaram-se.
33
INT. EMPIRE - COZINHA - NOITE
As portas abrem-se e Orlando adentra, de cara fechada e
pose imponente. Um CHEFE de cozinha corre até Orlando.
CHEFE DE COZINHA
Boa noite, chefe. Os pratos estão quase prontos para
serem servidos. Os do restaurante do quarto andar já foram entregues. É
questão de minutos pro do terceiro sair. Está tudo em perfeita ordem, aqui, na cozinha.
ORLANDO
Melhor assim.
Orlando segue andando por entre os fogões e dezenas de
funcionários da cozinha. O chefe vem atrás. É quanto
Orlando avista, em cima de uma bandeja, um belo prato de carne
enfeitado. Ele mete o dedo e põe na boca.
ORLANDO (cont.)
Nossa! Passou do ponto. Refaz esse prato.
CHEFE DE COZINHA
Mas, senhor...
Orlando corta o chefe de cozinha quando joga o prato
no chão, quebrando-o. Ele faz sinal para uma FAXINEIRA se aproximar.
Mira o Chefe, ao seu lado.
ORLANDO
Manda a sua equipe refazer o prato. Agora!
O chefe faz que sim, saindo da frente de Orlando.
Quando Orlando vira-se, dá com Búlgaro à entrada.
BÚLGARO
Era com você mesmo, que eu queria falar, Orlando.
ORLANDO
(espanta)
Capitão, o senhor aqui?! Vamos lá pra fora.
BÚLGARO
Eu não tenho nenhum problema em estar na cozinha do meu
navio. O que tenho pra falar é imediato. Que você se habitue a ser tão
cordial com os passageiros, quanto se esforça pra ser em minha frente. Ou
teremos sérias conversas sobre isso. Fui claro?
ORLANDO
Sim.
Búlgaro assente para Orlando, saindo rapidamente. Esse
se enfurece, encarado muito discretamente por alguns funcionários.
Volta-se a todos.
ORLANDO (cont.)
(grita)
Tão olhando o quê? Voltem ao trabalho!
34
INT. EMPIRE - RESTAURANTE 3º ANDAR
- NOITE
PANORAMA do ambiente, muito amplo, cheio de mesas.
PASSAGEIROS - todas bem vestidos e elegantes - circulam
pelo ambiente; ocupam mesas. Os GARÇONS, uniformizados e
inexpressivos, também estão ali, com bandejas cheias de pratos refinados.
Mauro e Regina entram no restaurante. Sentam-se numa
das mesas.
CORTA PARA Búlgaro, que sobe a um palco, no fundo
do restaurante, com Orlando e COZINHEIROS ao lado.
BÚLGARO
Bem vindos ao primeiro jantar. (aplauso geral)
Espero que apreciem a noite e a passagem no navio como um
todo! Devido as fortes correntes marítimas vindas do Sul, temos uma ação
violenta das águas contra o navio, mas tenho certeza que não deixarão a
diversão de lado por causa disso.
(risos)
Para os que ainda não sabem, eu sou Búlgaro Damasceno, o
capitão. Mais uma vez, os desejo um bom jantar e a companhia Seas, agora com
seu navio, EMPIRE, agradece a preferência!
Mais APLAUSOS.
35
INT. EMPIRE - CORREDOR - NOITE
Orlando segue, ágil, por um dos corredores, com Caio
atrás dele.
ORLANDO
Tá quase na hora da conta começar a engordar... Elas tão
prontas, já, Caio?
CAIO
Todas. Menos Kênia.
Orlando olha-o, insatisfeito, e para frente à uma
porta, ENTRANDO, junto com Caio.
CORTA RÁPIDO PARA a SALA
Orlando bate a porta. À frente deles, estão Lianna,
Lívia, Kênia e outras três mulheres. Kênia chora, abraçada à
Lívia. As outras encaram Orlando, amedrontadas. Ele se aproxima de
Kênia, com um rosto ameaçador.
ORLANDO
O que foi, Kênia? Quem da família morreu, agora, pra você
não trabalhar hoje? O cachorro, o pai, seu vovô?
LÍVIA
É a avó dela, Orlando. Descobriu um linfoma. Parece ser
grave...
ORLANDO
Tadinha! Mas que dó da Kêniazinha...
Ele se aproxima de Kênia, como se fosse abraça-la;
afasta Lívia dela, mas, abruptamente, a puxa pelos cabelos e a agarra
pelo pescoço, transtornado. Encara-a nos olhos.
ORLANDO (cont.)
(ameaçador)
Você sabe que eu não dou a mínima pro seu draminha de
família pobre retirante, cheia de gente doente. Você vai enxugar essas
lágrimas e vai trabalhar direitinho hoje, ou eu juro, minha doce Kênia, que
quando sua vovozinha morrer, você você já vai estar debaixo da terra,
esperando por ela. Então, engole esse choro agora, porque mulher perto de
mim só chora se tiver apanhado antes. Entendeu?
Kênia concorda e, literalmente, engole o choro; tenta
conter o soluço. Orlando a solta e afasta-se. Kênia vai até Lívia de
novo. Caio, comovido, é encarado com asco pela
última.
Kênia contêm as lágrimas, enxugando o rosto.
ORLANDO (cont.)
(frio)
Bem... Suponho, agora, que estamos todos prontos, não?
(pausa)
OK. Já que ninguém está em desacordo, estamos prontos.
Lianna, você vem comigo. Tem um trabalhinho extra pra você.
(pausa; para as outras)
E quanto a vocês, estejam arrumadas, prontas pra entrar
na House, em uma hora.
Todas concordam. Lianna SAI da sala, junto de Orlando.
Kênia cai no choro de novo, abraçando Lívia, sem ação. Caio
aproxima-se delas, gentil.
CAIO
(Cabisbaixo) )
Eu... Eu sinto muito, Kênia.
Kênia faz que sim para Caio, amedrontada. Lívia, com
ódio, levanta-se.
LÍVIA
Sai daqui! Você é nojento, que nem o Orlando, Caio. Você
pensa que nós podemos nos dar bem, que podemos ser amigos, mas não, não
podemos!
Você não passa de um monstro,
que agora pode substituir o Orlando
a qualquer momento.
(sussurra)
Eu tenho tanto nojo de você, quanto eu tenho daquele
crápula.
Lívia sai, intempestiva, dali. Caio vai atrás dela
no CORREDOR
Lívia andando. Caio atrás dela, pega em sua mão,
forçando-a a parar.
LÍVIA (cont.) (Exaltada; lágrimas)
Para! Me deixa em paz! Me deixa em paz, por favor! Será
que você não
entende? Para de fingir que se importa com todas nós, porque você não se importa!
CAIO
Não é minha culpa!
(olha para os lados, apreensivo)
Eu não sou culpado se eu já não
sou obrigado a fazer os mesmos
serviços que vocês fazem...
LÍVIA
Ótimo. Meus parabéns. Já eu, não sou obrigada a falar com
você, a olhar pra você. OK? Espero que tenha entendido, de uma vez por
todas.
CAIO
Lívia. Eu sou apaixonado por você.
LÍVIA
(baqueada) O quê?
CAIO
Eu disse que eu gosto de você; que eu to apaixonado por
você, Lívia.
LÍVIA
Você, literalmente, não bate bem. Tchau.
Lívia se desvencilha de Caio e sai, intempestiva,
pelo corredor.
CÂMERA segue-a. Regina ENTRA no corredor. Ambas
esbarram-se acidentalmente.
LÍVIA (cont.) (lágrimas)
Desculpa.
Caio dá as costas, voltando ao
escritório. Regina observa Lívia indo embora.
REGINA
(p/ Lívia)
Ei, menina? Menina, você tá chorando?
Mas Lívia entra por algum corredor adjacente e
desaparece.
36
INT. EMPIRE - CASSINO - NOITE
TAKES do cassino, movimentado. Muitas pessoas jogam
fichas, apostam em máquinas e comemoram. O local tem uma decoração
extravagante. De repente, ENTRA Orlando, de braços dados
com Lianna, vestida numa roupa sensual, preta. Ele aproxima-se de
alguém, a qual não vemos, e ergue uma taça de champanhe com a outra mão,
sorrindo. Lianna, apreensiva.
37
INT. EMPIRE - CABINE DE REGINA E
MAURO - BANHEIRO - NOITE
O vapor da água sobe, embaçando o vidro do box.
CORTA PARA Regina, dos ombros para cima, tomando banho,
com a cabeça de fora d’água.
REGINA (V.O.)
Às vezes, bate aquela impressão de que sempre tem algo
errado... Algo que não se encaixa direito. Talvez seja só minha imaginação.
Ou talvez eu, de fato, esteja certa.
PLANO DETALHE na mão dela, fechando o
chuveiro. CORTE DESCONTÍNUo para o
QUARTO
Regina, já vestida, dentro de um belo vestido vermelho,
no joelho, vê Mauro, deitado na cama.
REGINA (cont.)
Você tem certeza que vai mesmo ficar aí à noite toda? Vou
dar uma volta pelo navio, ver a movimentação, o cassino... As boates!
(passa as mãos na perna dele) Tem certeza que não vem?
MAURO
Não, logo mais eu levanto. Volta logo, tá?
Ela faz que sim, aproxima-se do marido e beija sua
boca, sorrindo para ele.
REGINA
Se eu não voltar, você vem me buscar!
Regina pisca pra ele e SAI.
38
INT. EMPIRE - CASSINO - NOITE
Abre em um casal. A MULHER, por volta dos 25, é morena.
O HOMEM é loiro, alto. Eles conversam e bebem.
CORTA PARA Lianna e Orlando, encarando-os de longe.
ORLANDO
(baixo)
Aqueles dois ali... O Rodrigo e a Mirela, são filho e
nora do deputado do Rio. Eles tão interessado em... Em novas experiências,
se é que você me entende. E, acima de tudo, estão interessados em você. É
claro que eu disse que você também tá interessada.
PLANO DETALHE - Orlando põe uma chave, discretamente,
no bolso de Lianna.
CLOSE dela, a encarar o cafetão.
ORLANDO (cont.)
A cabine é a 311. Sobe. Eles te encontram lá.
Lianna, receosa, retira as mãos dos braços de Orlando e
sai andando. Orlando pisca para Rodrigo e Mirela e também
SAI.
39
INT. EMPIRE - CABINE - NOITE
Pétalas de rosas no chão, garrafas de champanhe e vinho
em todas as estantes.
CÂMERA TRAVELLING percorre toda a cabine luxuosa, à
meia-luz, com vista para o mar, até encontrar
Lianna, recostada, apenas de calcinha e sutiã na cama. Ela retira
um cordão do pescoço, agarra com todas as forças, engole a
seco e beija-o.
LIANNA
(trêmula)
Una vez más, quedarse conmigo, mi Dios!
CORTA RÁPIDO PARA a porta, abrindo. Rodrigo e Mirela entram, de mãos dadas. Lianna coloca o terço sobre a mesa de
cabeceira e encara-os.
FADE IN:
FIM DO ATO II ATO III
FADE TO BLACK.
40
INT. EMPIRE - CABINE - NOITE
Abre em Lianna, cuidadosa, em trajes da tripulação,
diante da cama, onde Rodrigo e Mirela dormem, cobertos por um lençol.
Ela abotoa os últimos botões.
LIANNA
(sussurra; respira fundo) Es ahora o nunca!
Sorrateiramente, ela corre até uma estante, pegando um
CELULAR. Ela puxa, lentamente, o lençol do casal. CÂMERA
não revela. ZOOM na tela do celular mostra a câmera fotográfica
abrindo-se. Um FLASH ilumina entre as pernas de
Rodrigo.
Ouve-se o som da foto ser batida. Subitamente, Mirela
DESPERTA e encara Lianna e o celular. CLOSE em
Mirela.
MIRELA
(sonolenta)
O que é que você tá fazendo, garota?
Lianna assusta.
41
INT. EMPIRE - CORREDOR - NOITE
Lianna corre, com o celular em mãos, desesperada.
Agilmente, ela abre uma porta com os dizeres "ESCADARIA DE INCÊNDIO"
e ENTRA, fechando a porta.
CORTA RÁPIDO PARA Mirela, cabelos volumosos, surgindo à
entrada do corredor, atordoada. Ela olha para um lado e
para o outro; vê apenas alguns passageiros passando. SAI, atônita.
42
INT. EMPIRE - CABINE DE ORLANDO -
NOITE
Orlando encara-se no espelho, satisfeito, ajeitando a
gravata. Inesperadamente, a porta abre-se e Mirela
ENTRA, batendo a porta.
ORLANDO
(feliz) Mirela!
MIRELA
(nervosa)
Cala a boca, Orlando! Você me pôs em uma furada! Eu e o
Rodrigo!
A piranha da sua prostituta, ela deve ter posto algo
naquela bebida, porque quando eu acordei, peguei ela no flagra, fotografando
o Rodrigo! Fotografando o Rodrigo pelado! Você tem noção do escândalo que
vai ser pro deputado, se ela expuser que a gente fez um programa com uma
puta, num cruzeiro? Em?!
ORLANDO
(pasmo) Como é que é?
CLOSE em Orlando, pávido.
43
INT. EMPIRE - CABINE DE LIANNA -
NOITE
Lianna, atormentada, fecha um COFRE, encaixado na parede.
Ela pega um quadro, sobre a cama, e encaixa, tapando o cofre. Assusta, de
repente, quando Orlando ENTRA no quarto, furioso. CLOSES ALTERNADOS. Ela recua, amedrontada.
LIANNA
Orlando/
Ele a corta, dando um TAPA na cara dela.
ORLANDO
Cadê as fotos? Eu vou perguntar só uma vez, Lianna!!!
LIANNA
(chora)
Yo não queria fazer isso, Orlando... És que
mi mãe irá perder a casa pela hipotequía...
Ele agarra seus cabelos, joga-a contra a parede e começa
a estrangulá-la.
ORLANDO
Se a sua cara ficar tão roxa que você não possa mais
trabalhar pra mim, é aí que você volta pra Espanha, pra morar debaixo da
ponte, pra dar pra qualquer vagabundo que a ofereça um prato de comida! E,
pra ficar ainda melhor, vai viver sem sua mamãe, que eu vou ter o prazer de
mandar matar. O que acha? Heim?
(baixo; ameaçador)
Onde é que tá o celular, vadia?
Orlando a puxa bruscamente pelo cabelo. Ela aponta para o
quadro, na parede. Ele a empurra sobre a cama, pega o
quadro e joga no chão, abrindo o cofre. PEGA O CELULAR;
ORLANDO (cont.)
Você é uma idiota, mesmo! Agora passa uma maquiagem na
cara, que logo o show começa. E é bom que você não tente nada parecido de
novo ou eu te jogo direto no mar.
Orlando SAI e bate a porta. Lianna passa as mãos no
rosto, roxo, enquanto chora muito.
44
INT. EMPIRE - CORREDOR - NOITE
Regina andando.
PLANO DETALHE - ela segura seu anel nas mãos.
VOLTA nela, que escuta vozes pesadas, vindas de um
corredor, mais à frente. Ela anda, lentamente, até a parede, onde
para e presta atenção nas vozes.
LIANNA
(O.S; desesperada)
Aquele monstro me batéu, Lívia! Olha como está
mi rosto, mi diz, mi diz como vou pra House Pink assim?!
Dios mio!
LÍVIA (O.S.)
Meu Deus, Lia... Quando isso vai acabar?
CLOSE em Regina, desconfiada. Ela estica o rosto, para
ver quem está falando.
POV DE REGINA - vê Lívia conversando com Lianna, no canto
do corredor. O rosto da segunda, manchado pelos socos.
LÍVIA (cont.)
Às vezes, me dá vontade de chutar
o balde e contar pra todo mundo o
que o crápula do Orlando faz
conosco!
LIANNA
(com a voz embargada)
No. Así, no!!! Nos no podemos! As
nossas famílias... Usted sabe...
FIM DO PONTO DE VISTA.
CLOSE de Regina, perplexa.
EFEITO SLOW MOTION - seu anel escorrega por entre os
dedos. Cai, batendo no chão. O SOM ecoa pelo corredor.
CÂMERA reage num CLOSE de Lívia.
Ela vira-se e vê Regina, a observando, atrás da parede.
Ambas, perplexas. Troca de olhares. No ímpeto, Regina
sai correndo dali.
FIM DO SLOW MOTION.
LÍVIA
(para Lianna)
Ela ouviu tudo, Lia! Tudo!
CLOSE em Lívia, que abaixa, pega o anel de Regina e
sai correndo atrás dela.
45
INT. EMPIRE - SALÃO PRINCIPAL -
NOITE
Regina, correndo, desce as escadas. Esbarra num homem,
mas segue. Corre pelo salão, sem rumo, desnorteada. Atrás
dela, surge Lívia, nas escadas, com seu anel em mãos.
LÍVIA
(alto)
Ei, moça! Moça! O seu anel!
CORTA PARA Regina. A mesma entra num CORREDOR
Corre por ele; passa por um FUNCIONÁRIO, com uma bandeja,
que quase vai ao chão. Ela, ágil, segue, olhando sempre
para trás, até que entra por uma porta, que dá acesso a
várias
ESCADAS
Desce por elas. São várias. Quando olha pra cima, vê que
Lívia desce um lance a cima do seu. Barulhos de música e
voz masculina surgem, abafados.
CORTE DESCONTÍNUO. Regina chega ao fim da escada. Não há
saída, a não ser uma porta grande, de onde vem o som
alto.
CÂMERA ALTERNA em Lívia, desesperada, descendo as
escadas.
Quando Regina olha lá de baixo, vê que Lívia desce o
último lance de escadas; que se aproxima cada vez mais. Regina,
então, toma coragem e aproxima-se da porta grande,
abrindo-a. Uma LUZ FORTE, COLORIDA, invade a
tela.
46
INT. EMPIRE - HOUSE PINK -
NOITE
PLANO GERAL do ambiente grande, fechado, iluminado por
luzes coloridas, cheio de HOMENS, fascinados por MULHERES apenas de
biquínis vermelhos, expostas, dançando em mini palcos, distribuídos pelo
local. A atmosfera é de
sensualidade. Orlando, em cima de um palco principal, ao
microfone, salda os presentes. Ele vai até Kênia, de pé,
e pega na mão dela, exibindo-a.
CORTA PARA UM CLOSE de Regina, à entrada, perplexa.
REGINA
(pasma; sussurra) Meu Deus... O que é
isso?
VOLTA em Orlando.
ORLANDO
Os lances para a primeira oferta do cruzeiro EMPIRE estão
abertos! 500 dólares. Quem dá 500 dólares?
CLOSE em Kênia, ofegante. ENTRA o SOM de um
CORAÇÃO PALPITANDO.
POV DELA - ela vê os homens, olhando-a com desejo,
sedentos. A maioria dos homens, ali, erguem as placas; ela não
consegue parar de olhar, porém, para um SENHOR de mais de
65 anos, calvo, gordo.
FIM DO POV.
ORLANDO (cont.)
(comemora)
Ora, ora... Mas já que a noite começou disputadíssima,
vamos para os lances mais altos? Eu quero mil e cem dólares nesta bela
dama...
(aponta Kênia)
Olhem para esses olhos, esses seios fartos, o corpo
escultural... Ela merece mil e cem dólares, não, senhores? É a primeira
noite...
O SENHOR é o primeiro a levantar a placa. Outros CINCO
HOMENS, próximos a ele, também levantam, mas
hesitantes.
ALTERNA COM Regina, que continua completamente sem ação, na entrada da casa. Ouvem-se passos se aproximando, do lado
de fora. No instante em que ela olha pra trás...
CORTA pro Senhor, ao lado dos outros homens.
SENHOR
(pros homens; aponta Kênia) Aquela ali, já é minha de
outros carnavais. Escutem, senhores, que tal a gentileza de pararem de
ofertá-la pra esse primeiro encontro? Eu faço questão dela!
Todos assentem positivamente.
CLOSE em Kênia, se desesperando. Ofega. Olha para todos
no salão.
ORLANDO
Se seis cavalheiros dão mil e cem, vamos para mil e
trezentos, que tal?!
O Senhor dá uma olhada aos outros, intimidador. Vê que ninguém ergueu a placa e dá um sorriso. Esse, começa
a erguer a placa, vitorioso.
ORLANDO (cont.)
Dole uma...
A porta de entrada à House Pink, então, abre. Lívia entra.
ORLANDO (cont.)
Dole duas...
Regina está correndo, sem rumo, totalmente pasmada.
ORLANDO (cont.)
Dole três...
Lívia, de pé, à porta, vê Regina, correndo entre as
mesas. Lívia segue-a, então.
ORLANDO (cont.)
(sorri)
Sem mais, a noite com a nossa moça é do número quatro!
Parabéns!
O Senhor levanta-se, sobre leves aplausos dos presentes,
e vai encaminhando-se até o palco para levar Kênia, mas, subitamente, Kênia
SAI CORRENDO e entra por uma porta, à direita do palco. CLOSE em Orlando,
totalmente sem ação. Um enorme
burburinho começa. O Senhor revela-se confuso.
Orlando sai correndo e também entra pela porta.
CORTA PARA Regina, que anda, aturdida, por ali. Olha
pra trás e não vê mais Lívia. Ela, então, corre, sorrateiramente, e
entra por uma segunda porta, sem ser vista.
47
INT. EMPIRE - HOUSE PINK -
CORREDOR - NOITE
Kênia chorando, estatelada, no fim do corredor. Orlando,
brutalmente, a passos largos, a alcança e a joga no
chão, segurando-a pelo pescoço.
ORLANDO
(grita; enfurecido)
O que deu na sua cabeça, sua maluca? Aquele velho fez a
melhor das ofertas!
KÊNIA
(berra; chora)
Eu sei quem ele é e eu não vou pra cama com ele! Ele é
nojento, Orlando! Ele me estuprou, quando eu era uma criança! Eu morro, eu
pulo daquela proa, mas pra cama com aquele verme maldito e asqueroso, eu não
vou!!!
Orlando a encara, sem ação.
CORTA RÁPIDO PARA uma porta no corredor, que é aberta.
Regina aponta na frecha e passa a ouvir a conversa
entre Orlando e Kênia.
CORTA pros dois. Ele pega no cabelo dela.
ORLANDO
(lentamente) Você vai, sim!
KÊNIA
(berra; chora) Eu não vou, não!
Orlando SOCA a cara dela com toda sua força, a
derrubando brutalmente no chão.
ORLANDO
(berra; explode)
Você vai, sim!!! Sabe por quê? Porque você é minha puta e
sou eu que to mandando!!!
CORTA PRA REGINA, perplexa. Nesse instante alguém a
puxa para dentro e fecha a porta.
48
INT. EMPIRE - HOUSE PINK - SALA-
NOITE
A sala é um camarim. Lívia tranca a porta e larga
Regina, que vira-se, encarando-a, assustada.
LÍVIA
(indicador à boca; pede silêncio; sussurra)
Você não pode falar nada. Nada. Por favor.
REGINA
(atônita; sussurra) Meu Deus...
LÍVIA
(sussurra)
Pois é. É isso. É isso que nos prende aqui.
(pausa)
Agora você tem que ficar quieta, por que se alguém deles
descobrir que você não concorda com essa sujeira, você já
era.
CORTES DESCONTÍNUOS entre ambas.
FADE TO BLACK. |